Nos últimos artigos temos mencionado diversos aspectos
da Igreja como comunidade e hoje temos o desafio de
demonstrar o seu papel profético, isto é, o seu papel
“noutético” – que vem de uma palavra grega do Novo
Testamento que significa “colocar na mente”, convencer.
Ao viver o Evangelho em suas implicações, os crentes da
Igreja Primitiva causavam alteração no ambiente em que
viviam. Vejam o depoimento que davam deles: “Aqueles
que estão transformando (tradução do original grego)
o mundo chegaram até aqui.” (Atos 17.6.12). Então,
este papel profético tem a ver com a influência que,
como Igreja, como crentes, temos diante do mundo, da
sociedade, da cultura contemporânea e diante de cada
um de nós, pois também é uma ação interna. No contexto
bíblico, a palavra “mundo” tem um significado especial,
pois geralmente se refere ao curso desta vida, ao estilo
de vida adotado pela humanidade decaída no pecado e
governada por Satanás e seus valores e princípios éticos
que orientam as decisões das pessoas. Para nos ensinar,
Jesus utilizou recursos de linguagem que nos aproximam
da percepção concreta do que ele queria nos transmitir,
tais como parábolas, ilustrações do cotidiano, etc. Por
exemplo, mostra o envolvimento do cristão com o mundo
por meio de dois elementos presentes no nosso dia a
dia – sal e luz (Mateus 5.13-16). Tanto o sal, quanto a luz
têm diversas características interessantes das quais destacamos
a influência, isto é, sempre atuam no ambiente
em que estão. A luz avança sobre as trevas e nos mostra
o que está escondido, indica o caminho seguro. O sal penetra no alimento e altera o seu sabor. Com a mesma
figura da luz, o apóstolo Paulo destaca ainda nosso papel
neste mundo caótico em que vivemos, onde há bondade,
alegria, mas também violência promiscuidade, corrupção,
egoísmo, inveja, traição. Nosso papel, tendo uma biografia
– sendo filhos de Deus – é ser irrepreensíveis, sinceros,
ser “luzeiros”, isto é, indicadores do caminho da verdade,
não apenas salvadora, mas também da verdade que
está ligada aos valores bíblicos e cristãos norteando o
caminho da vida com princípios éticos sadios, honestidade,
amor, respeito, humildade, paciência, mansidão,
pacificação, respeito ao ambiente, socorro ao necessitado,
distribuição justa de bens e oportunidade de trabalho/
sustento, mas também com a criação de oportunidades
de desenvolvimento digno da vida de cada ser humano. O
texto chave está em Filipenses 2.15: “Para que vos torneis
irrepreensíveis e sinceros, filhos de Deus inculpáveis
no meio de uma geração pervertida e corrupta, na qual
resplandeceis como luzeiros no mundo”. Por isso mesmo,
o mundo aguarda a manifestação dos filhos de Deus
(Romanos 8.18-21) com seu estilo bíblico e saudável de
vida. Na oração sacerdotal Jesus salta para a linguagem
literal: “Pai, rogo não que os tires do mundo” (João
17.15). Assim, somos enviados ao mundo (vs.18) não
para vivermos a partir dos seus valores e princípios éticos
(Romanos 12.2), mas para vivermos para e por Cristo nele
(II Coríntios 5.15). Mesmo porque este mundo (no grego
“aion”) é governado por Satanás, o príncipe das trevas
(Efésios 2.1-10) e tem como prática inverter os princípios
e valores divinos (Isaías 5.20), de modo a levar as pessoas
a viverem orientadas pelos seus valores éticos (Efésios
2.2), especialmente hoje divulgados pelos massivos de
comunicação. No mundo hipermoderno, a valorização da vontade pessoal se torna fundamental, a autonomia da
pessoa é o ponto de partida. Mas o ser humano foi criado
para ser ligado aos ideais divinos de vida (Gênesis 1-2) e,
assim, o conflito entre estas duas ideologias leva-nos a
sermos espetáculo do mundo (I Coríntios 4.9), motivo de
marginalização, segregação. Por isso mesmo, Paulo indica
para não “nos conformarmos” a este mundo (Romanos
12.2), isto é, assumirmos seus valores e ideais de vida.
Assim surge uma questão séria que se aplica a cada cristão,
a cada Igreja: qual tem sido a influência da sociedade
presente em nossas decisões pessoais, nos padrões de
conduta na vida diá ria, na adoração, na vivência da Igreja?
Somos desafiados a sermos sal e luz, como vimos, não
esponja ou mesmo óleo. Este separa, segrega, marginaliza,
aquela absorve e assume os valores contemporâneos
como finais e determinantes. Não há como ficarmos em
silêncio sobre isso com o risco de estarmos cometendo o
pecado da omissão (Tiago 4.17). Estes desafios demonstram
claramente o papel do Cristianismo, das Igrejas, dos
cristãos em relação ao mundo à sua volta, em relação à
sociedade e ao cotidiano. Nosso papel é viver inseridos
no mundo, na vida, é influenciarmos ao meio ambiente
em que vivemos, como a encarnação de Jesus aqui na
terra, transformadores da realidade, em vez de sermos
seus consumidores. Esta característica do sal e da luz me
leva a pensar na função profética da Igreja, não somente
denunciando os males sociais, econômicos e políticos,
mas também como instrumento de transformações estruturais
na sociedade e no mundo. O cristão e a Igreja não
podem viver isolados do mundo como ocorreu na época
dos mosteiros e ordens religiosas do passado. Antes de
ser crucificado, Jesus orou ao Pai “Não peço que os tires
do mundo ... eles não são do mundo...a fim de que todos
sejam um...para que o mundo creia que tu me enviaste”
(Jo 17.15,16,21,22). O que precisamos, então, não é nos
isolar do mundo, mas saber qual é o nosso papel perante
ele. Desde o princípio deve ficar claro que o Evangelho
não é hóspede do estilo de vida do mundo, mas seu juiz e
redentor (“Contextualização – uma Teologia do Evangelho
e da Cultura”. Vida Nova. Nicholls, p. 13). Sendo assim, o Evangelho é colocado acima da cultura e tem sobre ela
o papel transformador. Temos de aprender a manter o
equilíbrio entre o isolar-se do mundo e o se envolver tanto
a ponto de ser por ele contaminado no campo dos ideais
e valores que influenciarão nossas decisões e escolhas
diárias. Paulo nos admoesta: “Não vos conformeis com
(moldar a vida conforme) este mundo, mas transformai-vos
(Romanos 12.2). Mas será que perdemos a nossa função
profética? Se mudássemos de onde estamos, alguém sentiria
falta? Por que estamos afastados da vivência cotidiana
e trancafiados dentro de nossos “templos-guetos” vivendo
apenas um Evangelho dominical e escatológico que lança
o significado da vida e tudo o mais para a eternidade?
Nosso papel não é ser sal ou luz da Nova Jerusalém, mas
aqui deste mundo. Parece-me que estamos preparando
as pessoas apenas para a morte e a vida no além,
deixando de discutir, por exemplo, os dilemas do mundo
contemporâneo e como podemos superá-los por meio
da aplicação da visão e cosmovisão bíblica. Deixamos
que os não cristãos ditem a nossa agenda de vida com
a aprovação de leis e procedimentos públicos que se
chocam com nossos ideais. Jesus orou para que Deus não
nos tirasse do mundo, mas persistimos em viver longe do
mundo em nossos “mosteiros eclesiásticos” tentando viver
em um dia da semana – domingo – o cristianismo de sete
dias, o que eu chamo de “Síndrome de Extrato de Tomate
Elefante”. Estamos deixando de viver o cristianismo em
tempo integral. Reduzimos cristianismo em atividades,
programas e eventos, em vez de vida comprometida com
os ideais cristãos onde estivermos. Conseguimos reduzir
a Grande Comissão num imperativo equivocado de IR, e
quem não pode ir para o campo missionário, então que
pague a conta com sua oferta no dia de missões, enquanto
que o imperativo da Grande Comissão (Mateus 28.19-20)
está em fazer discípulos, ter, portanto, “vida copiável”. Qual
é o papel da Igreja perante o mundo? Como a Igreja deve
viver no mundo? Temos aqui a função ou missão profética
da Igreja que Deus deseja que cumpramos. No próximo
artigo citaremos, pelo menos, três ações que a Igreja pode
operacionalizar para concretizar esta sua função.
Ano 06 - Edição 137
Boletim Informativo - Agosto/2017