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terça-feira, 1 de agosto de 2017

ESTUDOS SOBRE A IGREJA - (13) A IGREJA COMO COMUNIDADE PROFÉTICA - (PARTE 1)

Nos últimos artigos temos mencionado diversos aspectos da Igreja como comunidade e hoje temos o desafio de demonstrar o seu papel profético, isto é, o seu papel “noutético” – que vem de uma palavra grega do Novo Testamento que significa “colocar na mente”, convencer. Ao viver o Evangelho em suas implicações, os crentes da Igreja Primitiva causavam alteração no ambiente em que viviam. Vejam o depoimento que davam deles: “Aqueles que estão transformando (tradução do original grego) o mundo chegaram até aqui.” (Atos 17.6.12). Então, este papel profético tem a ver com a influência que, como Igreja, como crentes, temos diante do mundo, da sociedade, da cultura contemporânea e diante de cada um de nós, pois também é uma ação interna. No contexto bíblico, a palavra “mundo” tem um significado especial, pois geralmente se refere ao curso desta vida, ao estilo de vida adotado pela humanidade decaída no pecado e governada por Satanás e seus valores e princípios éticos que orientam as decisões das pessoas. Para nos ensinar, Jesus utilizou recursos de linguagem que nos aproximam da percepção concreta do que ele queria nos transmitir, tais como parábolas, ilustrações do cotidiano, etc. Por exemplo, mostra o envolvimento do cristão com o mundo por meio de dois elementos presentes no nosso dia a dia – sal e luz (Mateus 5.13-16). Tanto o sal, quanto a luz têm diversas características interessantes das quais destacamos a influência, isto é, sempre atuam no ambiente em que estão. A luz avança sobre as trevas e nos mostra o que está escondido, indica o caminho seguro. O sal penetra no alimento e altera o seu sabor. Com a mesma figura da luz, o apóstolo Paulo destaca ainda nosso papel neste mundo caótico em que vivemos, onde há bondade, alegria, mas também violência promiscuidade, corrupção, egoísmo, inveja, traição. Nosso papel, tendo uma biografia – sendo filhos de Deus – é ser irrepreensíveis, sinceros, ser “luzeiros”, isto é, indicadores do caminho da verdade, não apenas salvadora, mas também da verdade que está ligada aos valores bíblicos e cristãos norteando o caminho da vida com princípios éticos sadios, honestidade, amor, respeito, humildade, paciência, mansidão, pacificação, respeito ao ambiente, socorro ao necessitado, distribuição justa de bens e oportunidade de trabalho/ sustento, mas também com a criação de oportunidades de desenvolvimento digno da vida de cada ser humano. O texto chave está em Filipenses 2.15: “Para que vos torneis irrepreensíveis e sinceros, filhos de Deus inculpáveis no meio de uma geração pervertida e corrupta, na qual resplandeceis como luzeiros no mundo”. Por isso mesmo, o mundo aguarda a manifestação dos filhos de Deus (Romanos 8.18-21) com seu estilo bíblico e saudável de vida. Na oração sacerdotal Jesus salta para a linguagem literal: “Pai, rogo não que os tires do mundo” (João 17.15). Assim, somos enviados ao mundo (vs.18) não para vivermos a partir dos seus valores e princípios éticos (Romanos 12.2), mas para vivermos para e por Cristo nele (II Coríntios 5.15). Mesmo porque este mundo (no grego “aion”) é governado por Satanás, o príncipe das trevas (Efésios 2.1-10) e tem como prática inverter os princípios e valores divinos (Isaías 5.20), de modo a levar as pessoas a viverem orientadas pelos seus valores éticos (Efésios 2.2), especialmente hoje divulgados pelos massivos de comunicação. No mundo hipermoderno, a valorização da vontade pessoal se torna fundamental, a autonomia da pessoa é o ponto de partida. Mas o ser humano foi criado para ser ligado aos ideais divinos de vida (Gênesis 1-2) e, assim, o conflito entre estas duas ideologias leva-nos a sermos espetáculo do mundo (I Coríntios 4.9), motivo de marginalização, segregação. Por isso mesmo, Paulo indica para não “nos conformarmos” a este mundo (Romanos 12.2), isto é, assumirmos seus valores e ideais de vida. Assim surge uma questão séria que se aplica a cada cristão, a cada Igreja: qual tem sido a influência da sociedade presente em nossas decisões pessoais, nos padrões de conduta na vida diá ria, na adoração, na vivência da Igreja? Somos desafiados a sermos sal e luz, como vimos, não esponja ou mesmo óleo. Este separa, segrega, marginaliza, aquela absorve e assume os valores contemporâneos como finais e determinantes. Não há como ficarmos em silêncio sobre isso com o risco de estarmos cometendo o pecado da omissão (Tiago 4.17). Estes desafios demonstram claramente o papel do Cristianismo, das Igrejas, dos cristãos em relação ao mundo à sua volta, em relação à sociedade e ao cotidiano. Nosso papel é viver inseridos no mundo, na vida, é influenciarmos ao meio ambiente em que vivemos, como a encarnação de Jesus aqui na terra, transformadores da realidade, em vez de sermos seus consumidores. Esta característica do sal e da luz me leva a pensar na função profética da Igreja, não somente denunciando os males sociais, econômicos e políticos, mas também como instrumento de transformações estruturais na sociedade e no mundo. O cristão e a Igreja não podem viver isolados do mundo como ocorreu na época dos mosteiros e ordens religiosas do passado. Antes de ser crucificado, Jesus orou ao Pai “Não peço que os tires do mundo ... eles não são do mundo...a fim de que todos sejam um...para que o mundo creia que tu me enviaste” (Jo 17.15,16,21,22). O que precisamos, então, não é nos isolar do mundo, mas saber qual é o nosso papel perante ele. Desde o princípio deve ficar claro que o Evangelho não é hóspede do estilo de vida do mundo, mas seu juiz e redentor (“Contextualização – uma Teologia do Evangelho e da Cultura”. Vida Nova. Nicholls, p. 13). Sendo assim, o Evangelho é colocado acima da cultura e tem sobre ela o papel transformador. Temos de aprender a manter o equilíbrio entre o isolar-se do mundo e o se envolver tanto a ponto de ser por ele contaminado no campo dos ideais e valores que influenciarão nossas decisões e escolhas diárias. Paulo nos admoesta: “Não vos conformeis com (moldar a vida conforme) este mundo, mas transformai-vos (Romanos 12.2). Mas será que perdemos a nossa função profética? Se mudássemos de onde estamos, alguém sentiria falta? Por que estamos afastados da vivência cotidiana e trancafiados dentro de nossos “templos-guetos” vivendo apenas um Evangelho dominical e escatológico que lança o significado da vida e tudo o mais para a eternidade? Nosso papel não é ser sal ou luz da Nova Jerusalém, mas aqui deste mundo. Parece-me que estamos preparando as pessoas apenas para a morte e a vida no além, deixando de discutir, por exemplo, os dilemas do mundo contemporâneo e como podemos superá-los por meio da aplicação da visão e cosmovisão bíblica. Deixamos que os não cristãos ditem a nossa agenda de vida com a aprovação de leis e procedimentos públicos que se chocam com nossos ideais. Jesus orou para que Deus não nos tirasse do mundo, mas persistimos em viver longe do mundo em nossos “mosteiros eclesiásticos” tentando viver em um dia da semana – domingo – o cristianismo de sete dias, o que eu chamo de “Síndrome de Extrato de Tomate Elefante”. Estamos deixando de viver o cristianismo em tempo integral. Reduzimos cristianismo em atividades, programas e eventos, em vez de vida comprometida com os ideais cristãos onde estivermos. Conseguimos reduzir a Grande Comissão num imperativo equivocado de IR, e quem não pode ir para o campo missionário, então que pague a conta com sua oferta no dia de missões, enquanto que o imperativo da Grande Comissão (Mateus 28.19-20) está em fazer discípulos, ter, portanto, “vida copiável”. Qual é o papel da Igreja perante o mundo? Como a Igreja deve viver no mundo? Temos aqui a função ou missão profética da Igreja que Deus deseja que cumpramos. No próximo artigo citaremos, pelo menos, três ações que a Igreja pode operacionalizar para concretizar esta sua função.

Ano 06 - Edição 137
Boletim Informativo - Agosto/2017